quarta-feira, maio 20, 2015

Fontória 2004

Eram 3 da manhã e eu estava tão aflita para fazer chichi que pedi ao porteiro do Fontória para me deixar ir à casa de banho. Ele conhece-me de longa data, porque paro no sinal vermelho ali em frente à porta quando saio já tarde da minha baiuca preferida e lhe digo sempre boa noite, e respondeu-me que sim.

E lá desci eu, pela primeira vez em muitos anos, as escadas daquela tão famosa casa de putas, enquanto o som da música manhosa de dança subia escadas acima ao meu encontro. Atravessei a sala de estar fazendo esforço para habituar os olhos à meia luz e não tropeçar em nada, senti os homes olhar-me como quem diz "olha esta é bem boua" (em estrangeiro, claro está!, que estávamos em noites do Euro – e para puta do Fontória eu nem estava mal... ), cumprimentei os empregados portugueses, que me olharam um bocado admirados, e lá descobri a casa de banho das mulheres, ao fundo do balcão à esquerda, por trás de um biombo.

Entrei e vi uma mulheraça linda, nova, alta, loira e de leste, que esperava pela sua vez enquanto se retocava ao espelho. Disse-lhe que era bonita, e era mesmo. Ela agradeceu e sorriu, sem me olhar nos olhos. E ficámos as duas à espera. 


Quando a outra saiu pareceu-me portuguesa, porque não se notava sotaque nenhum. Tinha os cabelos escuros e era mais velha. Depois de um silêncio em que olhei para o espelho, ainda à espera da minha vez, foi ela que começou a falar comigo, assim como se eu fosse uma colega, e me disse "Tive que apanhar os cabelos, que o raio do homem parece que me quer lavar as orelhas... A ver se o consigo entusiasmar...". E encolheu os ombros.

Quando saí já as duas estavam de volta ao serviço, na sala principal.
Dei um toque de despedida no ombro da do cabelo apanhado, como se lhe desse um beijo.

Eu gosto de putas.
De putas verdadeiras, das profissionais.
Mistura de compaixão e carinho.
Parecido com o que sinto pelos reclusos que visito de tempos a tempos, nas festas do Natal.

E apeteceu-me compartilhar isto convosco.
(Mesmo que não ande por aí ninguém...)

Lisboa, 18junho 2004